Hepatite
crônica
A persistência de inflamação (hepatite) associada
a níveis séricos elevados de aminotransferases por mais de 6 meses é clinicamente denominada hepatite crônica (HC). Nas HC virais, persistem também por mais de
6 meses os marcadores séricos indicativos de replicação viral. Hepatites
crônicas podem ser causadas por vírus das hepatites B, C e delta, havendo
evidências recentes que a hepatite E possa cronificar em pacientes
imunodeprimidos. Autoimunidade, uso de fármacos e doenças metabólicas (p.ex.,
doença de Wilson) podem levar a lesões que também preenchem os critérios de HC,
restando ainda alguns casos em que a causa não fica identificada.
Como nem sempre é possível informação precisa
sobre o início da doença, que muitas vezes é oligo ou mesmo assintomática, o
parâmetro básico para o diagnóstico de uma hepatite crônica é o
anatomopatológico. Nos últimos anos, o empregado de novas técnicas não
invasivas para estimar a “rigidez” do fígado, mediante elastografia isolada ou
acoplada à ultrassonografia, contribui para a avaliação do estadiamento,
complementa o estudo anatomopatológico e auxilia no monitoramento da resposta
terapêutica. O também auspicioso avanço no conhecimento de mecanismos
moleculares das hepatites permite hoje classificação centrada na etiologia do
processo, enquanto a integração morfológico-molecular traz informações valiosas
sobre a história natural e sobre a eficácia do tratamento.
Clinicamente, hepatite crônica pode ser
sintomática ou não. Na forma sintomática, os pacientes apresentam cansaço,
redução do apetite e, às vezes, icterícia. Cerca de um terço dos pacientes com
hepatite crônica pelo VHC desenvolvem crioglubulinemia. Laboratorialmente, há
redução na atividade de protrombina e elevação das aminotransferases.
Os achados histológicos que o médico patologista
encontra na amostra colhida mediante biópsia hepática efetuada pelo clínico ou
pelo radiologista permitem a diferenciação entre Infecções Crônicas com lesões
mínimas, sem evidências de evolução para formas mais graves versus as reais
Hepatites Crônicas que têm potencial de dano arquitetural e até mesmo de evolução para cirrose. O diagnóstico
histológico de hepatite crônica é reservado aos quadros de acometimento difuso
do fígado por infiltrado inflamatório portal predominantemente linfocitário,
associado a quantidade variável de histiócitos e plasmócitos. Um bom indicador
de atividade e de possível progressão do dano hepático é a hepatite de interface, representada pela morte por
apoptose. Nos lóbulos, há encontram-se
linfócitos e histiócitos, com graus variados de necrose focal (ou mais
raramente, necrose confluente) de hepatócitos nas diversas regiões dos lóbulos,
habitualmente menos exuberantes que os fenômenos portais e periportais. Achado
importante é a neoformação conjuntiva,
que acontece sobretudo nos espaços portais mas pode formar septos fibrosos
entre espaços portais adjacentes ou entre estes e o interior dos lóbulos,
chamada fibrose em ponte quando une estruturas vasculares, sendo especialmente
importantes as pontes que unem ramos venosos portais e centrolobulares, base
anatômica para os desvios (shunts) portossistêmicos.
A classificação histopatológica das hepatites
crônicas surgiu da necessidade de se fornecerem informações objetivas,
reprodutíveis, especialmente importante para a seleção da estratégia
terapêutica. Como há alguns aspectos
divergentes nas diversas classificações internacionais, as Sociedades
Brasileiras de Patologia e Hepatologia designaram em 1990 um grupo de
especialistas que publicaram as bases para a uniformização da classificação em
auxílio ao Programa Nacional de Tratamento às Hepatites por Vírus, capitaneados
pelo Ministério da Saúde. Em seu relatório, o médico patologista deve destacar:
(1) aspectos ligados ao estadiamento, ou seja, a extensão da lesão (quanto da
arquitetura lobular foi comprometido); (2) alterações de natureza
necroinflamatória, indicando a graduação da atividade das lesões, que devem ser
compartimentalizadas em portais, periportais e parenquimatosas ou lobulares.
Na classificação brasileira , seguindo a tradição
dos anatomopatologistas semiquantificarem lesões histológicas e várias
doenças, a graduação das variáveis é
padronizada de 0 a 4, tanto para o estadiamento como para a avaliação da
atividade necroinflamatória . Como atualmente muitas decisões de tratamento,
especialmente com uso de antivirais antí-VHC e anti-VHB, têm por base o
estadiamento das alterações arquiteturas, exemplificamos aqui sua subdivisão :
0 = Arquitetura Normal (amostra com mais de 10
espaços-porta, todos individualizados, com contornos regulares , sem expansão
fibrosa)
1=
Expansão fibrosa de espaços-porta, com contornos irregulares, mas sem
caracterização de septos fibrosos
2=
Expansão fibrosa de espaços-porta, com septos fibro-vasculares unindo
principalmente regiões portais contíguas
3 =
Expansão fibrosa de espaços-porta, com septos fibro-vasculares unindo
espaços-porta entre si e também a
vênulas terminais centrilobulares, com ocasionais esboços nodulares
4 =
Cirrose, com substituição da arquitetura pelo pleno desenvolvimento de
nódulos de hepatócitos circundados por septos fibro-vasculares, base anatômica
para a hipertensão portal e para os desvios do sangue oriundo do sistema venoso
portal para a circulação sistêmica.
Em conclusão, revimos aqui alguns aspectos básicos das
hepatites por vírus: As formas agudas
podem ser causados pelos diversos vírus, com destaque para o VHA, diagnosticadas por métodos clínicos e por
exames de sangue. Geralmente não
requerem a feitura de biópsia nem tratamento antiviral específico, sendo muito
bom seu prognóstico, exceto em formas agudas graves e naquelas em que o vírus
não é eliminado em seis meses.
As hepatites crônicas mais frequentes são a induzida pelo
VHC e a provocada pelo VHB, com incidência menor desta desde o início da
vacinação anti-VHB. Destacamos aqui a importância da biópsia hepática no
diagnóstico e no estadiamento das hepatites crônicas, sendo importante a
padronização promovida entre nós pela classificação unificada pelas Sociedades
Brasileiras de Patologia e de Hepatologia, com reflexos na decisão terapêutica.
Outras hepatites crônicas são a hepatite
autoimune e as hepatites induzidas por drogas/medicamentos.
Venancio
Avancini Ferreira Alves
Professor
Titular, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo
Sócio-Diretor
Técnico, CICAP, Laboratório de Anatomia Patológica, Hospital Alemão Oswaldo
Cruz, São Paulo