No texto anterior (disponível AQUI), você aprendeu sobre a história da autópsia, a ciência que faz os mortos falarem. Agora é hora de saber quais
são os passos dessa investigação, fundamental para descobrir a causa da morte
de um paciente, assim como para estudar a natureza e evolução de uma doença.
Tudo começa com o especialista revendo os dados do histórico médico do paciente, antes mesmo do começo do procedimento. A
requisição da autópsia é um documento extremamente importante que transfere ao
médico patologista a responsabilidade de executar o procedimento e emitir o
atestado de óbito. Em casos de autópsias de SVO (Serviço
de Verificação de Óbitos) é condição “sine qua non” a lavratura de um Boletim
de Ocorrência de morte natural e solicitação por parte do Delegado.
Com o respeito a essas normas, o patologista pode então começar seu trabalho minucioso, passando por etapas como:
Inspeção externa:
observação dos sinais de morte somática, que se dividem em dois grandes grupos:
abióticos (ou avitais) e transformativos (estes de interesse médico-legal).
Dentre os sinais abióticos estão o esfriamento e
a rigidez do cadáver (algor e rigor mortis), manchas de hipóstase, desidratação com opacificação
das córneas, parada da circulação e a coagulação do sangue. Todos esses sinais
são pistas valiosas que ajudam na investigação das possíveis causas de morte.
Nessa hora também podem ser realizadas coletas de materiais
para análises laboratoriais. Alguns exemplos são sangue para estudo do tempo
desde a morte e humor aquoso dos olhos para estudo metabólico.
Tempo da medula espinhal: com o cadáver virado para baixo é feita uma incisão para
abrir caminho pela pele, gordura e músculos até a medula. Então começa a o corte das lâminas vertebrais para a exposição da
medula nervosa. Por ser um órgão extremamente frágil, ele é retirado dentro da
dura-mater, uma membrana que o envolve.
Tempo do crânio: com o
cadáver virado para cima, realiza-se uma incisão na testa para que a pele seja retirada
do caminho e permita a exposição do crânio. Com isso, passa-se à abertura da
cavidade craniana e, após o exame da membrana que reveste o cérebro, remoção do encéfalo, que é
colocado em uma solução para ser preservado até que o órgão seja analisado.
Tempo do tórax:
com uma incisão precisa, a caixa torácica é exposta
para a investigação de possíveis rupturas das vias aéreas baixas ou da existência
de ar fora dos pulmões. Com isso procede-se o corte das costelas e retirada do
externo. Assim, o médico consegue investigar o estado dos pulmões e coração, buscando a presença de líquidos,
sangramentos ou mesmo tumores.
Tempo do abdome:
aproveitando a abertura do tórax, as vísceras abdominais são expostas e
investigadas, com o especialista buscando a presença de ar em cavidades,
rupturas de vísceras, tumores, líquidos e
sangramentos, assim como a disposição das vísceras.
Exame dos diferentes órgãos: neste ponto existem técnicas diferentes, empregadas conforme a necessidade ou a escolha do patologista para a
análise dos órgãos humanos. Eles podem ser abertos e analisados dentro do
corpo, retirados todos de uma vez para dissecação posterior, ou retirados e
analisados individualmente.
Com exceção dos ossos e dos olhos, que se removidos causam deformações
no cadáver, todos os outros órgãos podem ser retirados para análise. O
especialista treinado consegue
removê-los conforme a necessidade, buscando preservá-los de maneira que
evidenciem alterações importantes para definir a causa do óbito.
Medula espinhal:
abre-se a dura-mater com o auxílio de uma tesoura delicada e a medula é examinada. Depois, ela é cortada a fim de ser estudada histologicamente, visualmente e
no microscópio.
Sistema nervoso central: existem diversas formas de estudo destes órgãos, todas
relacionadas ao tipo de doença presente. De uma forma geral, após a separação do tronco encefálico, do bulbo, da ponte e do cerebelo,
cada um destes deve ser representado no exame histológico. Secciona-se o mesencéfalo
para retirada de material para análise histológica.
Secciona-se o cérebro, preferencialmente em seções de um centímetro, e então são
retiradas amostras das diferentes regiões para análise histológica.
Após tais análises, pode-se passar ao exame microscópico dos diferentes órgãos e a avaliação dos exames laboratoriais
que, porventura, foram solicitados. Juntando todas essas peças, o patologista
pode redigir o laudo da autópsia e, caso convenha, pode acrescentar comentários
de correlação
anatomo-clínica, indicando como as
alterações observadas podem ter levado o paciente à morte.
Ao fim do exame necroscópico o
patologista emite o atestado de óbito, com a identificação e as causas da morte. Com esse documento em mãos, a
família consegue retirar a certidão de óbito em um cartório e sepultar seu
ente.
Como vimos, a autópsia é um procedimento detalhista e minucioso,
que exige profundo conhecimento do especialista para sua realização. Na proxima
semana, em nosso último texto sobre autópsia, você saberá mais sobre a importância do exame para a
prática médica nos
dias atuais. Não perca!
Fontes:
Dr. Pedro Paulo
Vasconcellos Varella - Médico Patologista / Neuropatologista
Doutor em Neurologia e
Neurociência
Autópsia
em patologia atlas e texto. Autor:
Richard L. Davis, Walter E. Finkbeiner, Philip C. Ursell. Editora
ROCCA 2006
Anatomia
Patológica Prática e propedêutica. Jorge Michalany.
Editora Lemos 2005.
Anatomia
Patológica geral na prática médico-cirúrgica. Jorge Michalany.
Editora artes médicas 1995.